Nostalgia
e utopia reunidas
numa
viagem de Vidal Ramos a Ituporanga
Na
inebriante admiração
O
começo da filosofia,
Diz-nos
a lição peripatética.
E
das mesmas fontes beberiam
Musas
das artes poéticas.
Qualquer
passante que contemple
Rósea
aurora nos outeiros
Admirada
tem a sua mente.
Sob
douradas grimpas de pinheiros,
Bebe
orvalho, bebe poesia
Qual
um ébrio caminheiro.
Por
isso consagro-te carinhos,
Dadivosa
mãe ecologia.
E
entre gabirobas e laranjas
Venho
celebrar-te a via,
Que
saindo de Vidal Ramos
Vai
no rumo de Ituporanga.
Se
ora canto a ecologia
Que
associa matagais e sangas,
Não,
não darei por esquecidas
A
gentileza, a fidalguia.
Assim,
a poesia é servida:
Ao
lado da natural beleza,
Desde
priscas eras é tecida
Humana,
singular grandeza.
Já
estamos no espigão da serra
No
lombo de cavalo, em plena ação.
Vejo
os montes que longe se descerram
Com
restos de mata, em inanição,
Em
pleno azul o sol que reverbera
Milhos
e feijões cobrindo o chão.
Das
brenhas ouço bugio que berra:
Não
sei dizer se é fome ou solidão.
Eis
a flora atlântica em plena luz,
Com
pátrio nome, o salto Santa Cruz.
Daqui
saíram úteis as madeiras
Da
floresta exuberante e colossal.
A
peroba e espécies caneleiras
Forneciam
para as casas e o curral.
Não
havendo a indústria serralheira
Era
ao braço serrado o taboal.
Há
herdades, cidades, sementeiras.
Arapongas?
Talvez no faxinal.
Que
dizer da riqueza in natura?
Tarde
amamos o resto que perdura.
Se
olho os campos em calmo dormitar,
Não
foi assim há muito tempo atrás.
Aqui
reinava a mata embalsamando o ar.
Veio
o homem e derrubou o sassafrás
Com
seu perfume e lenho a encantar,
E
demais madeiras lá nos matagais.
Com
elas levantamos nosso lar.
Agora,
vejo verdes, restantes umbrais
Como
aflitos seu destino a deplorar.
Mas
ainda é tempo, se tempo achais
Por
convívios, várzeas, faxinais
Para a amizade e
beleza decantar.
Os
olhos n'horizonte estão,
Mas
os volto para o chão
Desta
estrada inolvidável
Que
partindo de Vidal Ramos
Na
direção de Ituporanga
Não
é menos aplicável
Nos
ditames do ambiente
Ao
país do Ipiranga,
Como
ao mundo habitável.
Por essa mesma via,
Da
ocasião me valho,
Doentes
ao hospital corriam,
Vindos
no lombo de cavalo
Sua
saúde conseguiam.
Eu
não faço exceção,
Em
viagem tumultuada
Fui
à mesa de operação.
E
ora estou de Ituporanga
Exaltando
a boa ação.
Finalmente
em calmaria
Tive
a rica hospitalidade
Dos
tios Irinéu e Maria.
Dos
primos e primas louvo
E
enalteço a cortesia.
Não
foi só a enfermidade
Que
me levou a essa via.
Também
carinho e lealdade.
Com
meus manos cavalgando
Vi
exemplos de amizade.
Se
da mata louvo a beleza,
E
das culturas a riqueza,
Não
é tudo que devo honrar.
Lembro-me
de Paulo Setúbal
E
das pessoas que se punham
No
seu retorno o abraçar.
Canta
cafezais em alinho,
Parasitas
em plena flor,
Mas
o poeta dá valor
Às
pessoas e seu carinho.
E
ele diz com emoção:
"Todos
eles quando eu passo,
Num
longo, num rude abraço
Apertam-me
ao coração."
Não
chego à tanta efusão
Mas
não posso reclamar
De
ter menos atenção:
"Como
está, como vai seu pai,
Sua
mãe já melhorou?
Lembranças
para os dois,
Foi
o Mafra quem mandou."
Outro
amigo que me encontra
Agora
conta de suas caçadas,
Duas
pacas e uma lontra.
Dói-me
ouvir de tais façanhas.
Antes
que o possa revidar
Me
diz: "Mas mato as ararinhas."
É
bom freguês do Pantanal:
Mil
tuiuiús ao matagal,
Nos
rios dourados e piranhas.
Muitos
casos ainda me conta,
Mas
anda com cautelas estranhas,
Depois
que viu o rastro duma onça...
Creio
que todas as saudades
Que
há na sofredora humanidade
Cruzam-se
pela estrada afora:
Meu
filho foi ao Paraná,
Comenta
vizinho de outrora.
Daí
fiquei sem assistente.
Conforme
espero: já de volta está.
Que
venha disposto e contente
Pois
o pão de cada dia
Maiores
tréguas não me dá."
Anda
esquecido o bom homem
Que
muitos a migrar pra lá,
Por
motivo da erosão
Que
traz à terra exaustão
Ou
por outra decepção,
Estão
de volta para cá,
Outros
indo mais à frente,
Onde
a selva está presente,
Muito
além de Cuiabá.
Vem
aí colega meu de escola
Acenando
cortês pra mim.
Boa
praça: sempre me amola
Quer
saber como está passando
A
filhota do seu Crispim,
(Cá
entre nós, um Serafim).
Banco
o pouco interessado,
Que
rapaz afortunado,
Ela
é: aurora num jardim.
Já
percebi que muitas raças
Fazem
deste chão passagem
Alguém
já longe me saúda,
Em
bom sotaque de alemão
Parou
aí a camaradagem
Mais
que isso da linguagem
Confesso
já não sei mais não.
Que
importa, não é nada
O
que a língua não desata,
Diz
melhor o coração.
E
vou por estas capoeiras
Enlevado
na inspiração.
Na
paisagem do Campestre
Vive
o elemento polonês.
Não
existe quem mais seja
Entranhado
camponês.
Como
os avós cultiva a uva
E
da nativa grandiúva
Faz
o trato da leiteira rês.
Nesses
lados primorosos
Têm
chegado açorianos,
Lá
de Portugal vieram,
Das
ilhotas do oceano.
E
margeando o litoral
Têm
raízes há par de anos.
Por
causa da latina língua
Com
eles logo se entendem
Imigrantes
italianos.
Descender
se dizem estes
Dos
lombardos, de romanos.
Coração
e simpatia
Têm
de sobra os africanos.
Como
o povo do Zé Belmiro
Bons
amigos no retiro
De
meus grandes veteranos.
Todos
se sentem brasileiros
Conforme
pude compreender.
Somente
lhes ficou a língua
E
a saudade do estrangeiro
Em
vez de trigo, colhem milho
E
os grãos de cafezeiro.
A
rigor somente o índio,
Habitando
matos ínvios,
É
nativo brasileiro.
Existe
também a saudade
Dos
lugares, de fundões,
D'avoengos
paradeiros.
E
propalam a meus botões
"De
São Pedro é meu avô",
"Minha
avó de Biguaçu",
"Minha
mãe de Canoinhas",
"Eu
nasci no Mulungu".
"De
Desterro vinha o pai,
Contornando
as itoupavas,
Vaus
do Itajaí-Açu".
"Bisavô,
de Joaçaba,
Ervatais
atravessava,
Rumo
ao Peperiguaçu."
Todos
cantam no seu modo
Brado
heróico do Ipiranga,
De
imitar não me incomodo
Chico
Buarque de Holanda,
Tenho
heróis pernambucanos,
Bandeirantes
e mineiros.
Acrescento
os tijucanos,
Joinvillenses,
lajeanos...
E
esses no carvão obreiros.
Sejam
cidadãos praieiros
Ou
peões de vaqueanos,
São
artistas brasileiros
D'Oiapoque
ao minuano,
Lá
no pampa missioneiro.
Continuamos
velejando
Mesmo
sem naus ou oceanos.
"Há
sempre um copo de mar"
Por
onde navegar possamos
E
ilha verde com magia
De
perfeita ecologia
Longe
ou perto descubramos.
Invenção
de Jorge de Lima?
Em
seus versos nos louvamos.
Realidade
ou utopia:
Ainda
estamos em Vidal Ramos.
Não
me peçam o ano nem o dia,
Eis
os pássaros que idealizamos
Anuns
com cantos e alaridos,
Joões
de barro duetando
Quero-queros
sempre inquietos,
De
longe humanos observando.
Chupins
nos altos arvoredos,
Nos
campos, nos galpões aos bandos,
Canário
da terra, quer na telha
Quer
nos laranjais trinando
É
sinal que estamos no Campestre,
Onde
a brisa sopra campeando.
Sim,
aos passarinhos da paisagem
A
alma cabocla de Setúbal,
Através
de muitos de seus versos,
Já
rendia as suas homenagens:
"Do
mato cerrado e umbroso
Vêm
cheiros de manacás";
Com
seu séqüito numeroso
Vai
dançando o tangará
"Num
pau-dalho alto e frondoso
Vai
um concerto furioso
De
bentevis e sabiás."
Já
o esplendor da atlântica mata
Com
seus urus e frutas atas
Com
baguaçus de alva flor
Pequiás,
ticuns e jacutingas
Esmaece
aqui nas bracatingas.
Em
troca, ganhamos a majestade
De
altas, soberbas araucárias
E
de outras mais ainda
Vejo
imbuias mais que centenárias,
Ervas-mates
proveitosas
Apesar
de amargas, milagrosas
Para
digestão e coronárias.
Sigo
e vejo as capoeiras,
Nos
quintais as pencas das pereiras,
Nas
pastagens reses e alimárias,
Em
cultivo, aveia forrageira
No
lar a criançada arteira
Patinhos
nas águas lagunárias.
O
cão latindo corre pra porteira.
E
vendo-a fechada à via agrária
Vai
acuar as vacas leiteiras.
Sobranceiros
pinheiros lá por trás.
Eles
que deram pinhões aos índios,
Aos
esquilos, caitetus e gralhas
Nos
seus ramais ostentam gravatás
Desde
pequeno cultivo o gosto
De
contemplar as araucárias,
Já
fim de tarde, no sol posto.
Qual
um Cruz e Souza simbolista
Passo
a vista às copas centenárias.
"O
sol no poente abre tapeçarias",
E rosácea luz, no frio da invernia,
Se
distribui por taciturnas araucárias.
Do
devaneio rosicler acordo,
A
menina que conheci outrora
E
pelo que sei já é senhora,
Vejo,
está em minha frente.
Conta
de si, de seus parentes.
E
entre as lembranças papagaios,
Que,
às dezenas se divertiam
Comendo
do milho que caía
Das
carreadas, dos balaios.
Preocupada,
pergunta ela,
Onde
estão meus louros tagarelas?
Respondo:
"Os troncos nos peraus
Onde
papagaios fazem ninhos
Sumiram,
e com eles o picapau
Com
topete em torvelinho
Que
pena, parece mau agouro,
A
paisagem sem as falantes aves
É
como a flor sem abelhas e besouros."
Surpresa,o
que ouvimos? Creu... créu...
Papagaios
voando lá no céu
Chega
um lavrador que imitava
O
longo trilo dos nhambus
E
estes reagiam na mata brava
Diz
da saudade dos urus
Que
cedo de manhã cantando
Pelo
fim de tarde se esmeravam.
Lembra
os coatis e os tatus
A
mão-pelada e caitetus
Que
na brenha extremunhavam.
Já
quase noite, é meu aparte,
Lá
nas torres tangem sinos
Estrelas,
aos milhares, ardem
E
da floresta brotam hinos:
Uru...
uru... que cantoria
Enobrece
o fim do dia?
São
os urus que não esquecem
De
entoar a sua prece
Nessa
hora de saudar Maria.
Maviosos
bons cantores.
Convosco
cantarei louvores
Para
a Imaculada Virgem Pia.
Agora
escuto de montanos
Onde
se ouve o borocoxó
E
também de varzeanos,
Onde
canta o chororó:
Sem
as matas por moradia
Foram
sumindo até tucanos
Ariscas
pacas e cotias.
E
nas brumas das manhãs
Já
não fazem arrelia
Escandalosos
araquãs.
Está
passando com seu baio
O
filho do Alberto Otto,
De
cabelos louros, clara pele,
Já
de muito longe o noto.
Moravam
lá nos fundos
Onde
nasci e me criei.
Assim
um estupendo mundo
De
peraus com eles tenho.
Somos
da beira do Faxinal,
De
arapongas e carazal
E
força d'água dos engenhos.
Explico:
o Faxinal consistia
De
glebas de cima da serra
Pouca
utilidade possuíam.
Só
o gado, por baixo ao mato
Nas
paragens , persistia.
E
era refúgio à passarada
Que
por pios cantar soíam.
E
também a fonte das aguadas
Quais
em ribeirões desciam.
Mas
a mata, ao ser cortada,
Cristalinas
águas reduzia,
E
era o drama, comentamos nós,
Que
a juritis, a noitibós
Em
seus lares atingia.
Na
verdade, diz-me boas novas
Este
antigo colega e vizinho.
Haviam
se passado para cá
Buscando
terras ubertosas.
O
destino não lhes foi mesquinho
Por
aqui no terreno plano
Terras
fáceis de arar
Dão
searas mais por ano.
E
terras de encostas e peraus
Cobriram-se
de capoeiral,
Retornando
à paz d' antanho.
Tinha
encontrado alguém
Feliz,
sem mágoa de ninguém.
Mesmo
assim ouvi aflições, canseiras
O
motivo? Escassez de madeira.
Ouço
ao longo da cavalgada
O
ecoar de chorumelas:
Onde
achar agora as matas
De
perobas e canelas,
De
angicos, cabreúvas
Pra
moradas e cancelas.
Onde
achar a canharana
Boa de esculpir gamelas
Onde
agora achar o louro,
A
guajuvira, bons tesouros
Pra
mobílias e capelas?
A
coivara levou
O
fogo queimou
Ninguém
plantou
Urubu
pousou.
Entre
outros encontro um serrador
Que
tem trabalho e amolação
Pra
trazer madeira desejada
Ao
cliente encomendador.
Caras
madeiras chegam de distâncias,
Ao
ateliê do escultor,
Às
pousadas e às estâncias
D'inspirado
construtor,
De
cavacos, serras e cepilhas
Rebentam
móveis e vasilhas,
E
há perfumes no lavor.
Longe,
ao jângal tropical
Mais
madeira se vai buscar
Rouca
ruge a motosserra,
Amazônico
mundo a derrubar.
Mundo
de seres encantados,
Iaras
e botos, irá finar?
Haja
corte selecionado
Para
a selva preservar.
Valiosos,
raros vegetais
Para
fins medicinais
Lá
estão por pesquisar,
Mas
tal como o corvo em Edgar
Arremeda
o fogo: "Nunca mais".
Troncos
nus a crepitar,
Cinzas
flutuantes a falar:
"Fomos
um sonho, nada mais".
E
aves que uma vez cantaram
Agora
certamente: "Nunca mais".
Virola
e mogno, nobres lenhos,
São
extraídos d'Amazônia.
Açaís,
araras, pirarucus
Chegam-nos
por meio de Rondônia
Foge
cantador uirapuru.
Vendo
sob os pés cair floresta
Sem
aviso ou cerimônia
Depredando
mata Hiléia,
Só
recebemos acrimônias.
Nova
face exibe a epopéia:
Auto-sustentar
pujante Hiléia
Com
juízo e parcimônia.
Com
o pensamento imerso
Nos
igapós e matagais,
Das
Amazonas universo,
Cujos
caminhos são aguaçais
Retorno
à térrea, simples via
Haja
florestas poupadas
Delas
se faça a moradia.
E
possam lá fazer seus ninhos,
Aves
a pairar nos céus
Ensina
Cristo em homilia
Da
semente pequenina,
Ao
ir pregando pelas vias
Da
Terra Santa, a Palestina.
Mas
por matos devassados
Que
bons ares me traziam
Surge
agora, a pé andado
Alguém
que longe me sorria.
Mais
conhecido de meu pai
Uma
palha de fumo amacia.
Enquanto
o pito prenuncia
Bela
história contando vai.
A
idade, o aspecto venerando
Deste
tipo de brasileiro
Com
fala mansa e seu palheiro
Faz-me
ouvi-lo proseando:
"Acaso
sabes como foi feita
Essa
estrada que vês bonita
Não era assim há muitos anos
Quando
eu vim fazer casita
Nesta
terra que tanto amo.
Aqui
a custo passava cavalo
De
arreio, desses de montaria
Com
mais apuro passaria
Qualquer
carroça pelo atalho.
Mas
igreja de São Sebastião
Que
patrocina Vidal Ramos
Encomenda
altar pra devoção
Quando
transportá-lo vamos
Tão
grande era, que atentamos
Que
só viria em caminhão.
Eu
mesmo, sem faltar à modéstia
Fui
juntando o pessoal
Que
em meio a muitas peripécias
Pôs-se
a cortar o matagal
Lá
na serra de Riozinho
Para
abrir caminho tal
Por
onde o caminhão pudesse
Ziguezagueando
pelos esses
Entregar
a peça ao pedestal.
No
planalto havia facilidade
Em
fazer traçado para estrada
Mas
no vir declividade
Ficou
feroz a empreitada.
Quando
havia sol de placa
Era
só beleza e amenidade
Mas
na chuva e tempestade
O
barro embarga, tudo empaca.
Eu
ficava ouvindo, sem falar,
Pra
não perder o fio da história.
"Da
dificuldade vem a glória",
Segue
o velho seu narrar.
"Um
grupo trata da madeira
Pra
fazer as pontes sobre rios
Cantando
à serra em chiadeira.
Outros
trazem cestos de comida
Que
mulheres, louvando a Aparecida,
Fazem
com panelas de fogueira.
Outro
grupo cuida de animais
Como
os bois a puxar a terra
Aos
lugares onde falta mais.
Ou
cavalos a trazer à serra
Pás
e ferramentas manuais.
Outro
grupo faz melhor traçado
Apropriado
a caminhão
E
com ele altar da devoção
Chegasse
à paz do povoado.
A
serra tão difícil de passar
Nunca
a vi tão enfeitada
Como
no dia em que altar
Veio
triunfante pela estrada
Pra
trazer altar d' Eucaristia
Tivemos
trabalho e ardor
Muito
mais sofreu o Redentor.
Hoje
só cantamos de alegria.
A
palha do fumo que picara
Já
não valia pra fumar
Porque
as lágrimas a molharam
E
as minhas também banharam
Meu
cavalo a me levar .
Essa
a história dessa via
De
Vidal a Ituporanga
Que
muito pouco eu conhecia.
Por
isso, sinto estrada afora
Tanto
no passado como agora
Certo
ar de divina nostalgia.
Enquanto
o velho se despedia
Caía
na retina o belo sol
Que
nesses altos se espargia.
Bela
Vista, já em Ituporanga
Esplendidamente
traduzia
A
beleza ímpar do panorama.
Tanto
na cerúlea serrania
Quanto
nas valadas eu sentia
Efeitos
que só vejo em cinerama.
Eis
encontro historiador
Amigo
doutros carnavais.
Depois
de oi e como vai
Diz
das novas de pesquisador
Que
vasculha o descobrimento:
No
lado oposto ao Bojador
Lusos
tiveram achamento.
Há
quinhentos anos com deslumbramento
Viram
esta terra de esplendor.
E
entre outras notoriedades
A
cercar Brasil e Portugal,
Além
da língua, Fé e civilidade
Que
vieram com lusas naus
Fala
com veraz sagacidade
Não
haver outrora milharal
Nas
aráveis terras de Cabral,
Do
Brasil chegando a utilidade
E
foi dizendo ilustre amigo
O
que dentro de si guardava:
"O
astro sol que dardejava
As
eiras do Douro em Portugal
Já
Antônio Nobre o celebrava:
'Ao
sol fulgura o oiro dos milhos
Os
lavradores mailos filhos
A
terra estrumam... " eh bois, bradavam.
Respondo
ao mote sol e milho:
"A
Paulo Setúbal deslumbrava
O
sol tostando o arraial:
'Ao
sol quente e louro,
Com
seus penachos cor de ouro,
Como
é lindo o milharal'.
Ambos
os poetas decantavam
Coisas
do seu torrão natal.
E
o mesmo sol de azuis alturas
Que
brilha pra nações irmãs
De
Brasil e Portugal
Faz
brilhar a formosura
Que
contemplo deste trilho,
Portentoso
mar de milhos
Com
cebolas na fundura.
De
fato é isto o que se enxerga
Na
parte próxima ao panorama
Desses
altos de Bela Vista.
Muito
longe mal se alberga
O
que as almas toca e chama,
A
tênue serrania da Geral.
De
resto transviadas malhas
Da
antiga capa florestal,
E
de permeio algum pinhal,
Lá
semeado pelas gralhas.
Pouco,
quase nada se perturbavam
Tanto
Setúbal quanto Nobre
Se
à paisagem sobrepairavam
Pinheirais,
ipês ou robles.
A
seu tempo não os preocupava
(Por
tanta fartura em que nadavam)
O
que da natura a vindouros sobre.
Do
ambiente sequer se cogitava.
Estavam
atentos mais no brilho
Com
que o sol à flor dos milhos
Atraía
abelha ou mamangava.
E
o trabalho dos lavradores
A
tratar de naturais splendores
Com
viva cor o celebravam.
Minhas
apreensões se justificam.
Se
a tudo cobre o milharal,
A
mata e seu vasto arsenal
Simplesmente
se nulificam?
Virgem
mata seja à humanidade
Fértil
mina de diversidade
Prospere
o louro cereal
Mas
da mata espero abrigo
Para
mim e o cavalo amigo,
No
mormaço tropical.
Isso
é bem menos que esperava
Pero
Vaz quando ao rei narrava
Das
matas do Monte Pascoal.
Imerso
estava em tais idéias
Eis
vejo de mim se aproximando,
Após
desembarcado da boléia,
Colega
meu, um bom poeta,
Que
rimas faz de vez em quando.
Amigo,
disse, cumprimentando-o,
Conheces
heróis da natureza
Que
seu nome andaram projetando
Através
ambientais proezas?
"Estou
pensando em Burle Marx",
Disse,
nem um pouco titubeando,
"Para
logradouros e jardins
Do
seu Rio e mais cidades
Procurou deveras cultivar
Arbórea,
verde majestade.
E
o sítio Santo Antônio da Bica
Foi
transformando em lugar
De
flora resplendente e rica.
Ali
das saxícolas e das epífetas,
De
copadas árvores magníficas
Salienta
a veia ornamental,
E
à Cidade de luz e maravilha
Por
seus montes, praias e ilhas
Recupera
o que lhe era natural."
"Bravo,
bravíssimo", retruquei,
"Ratifico
as tuas homenagens,
De
outros lembrarei coragem
Por
nossas coisas, nossa grei.
Falo
agora de Raulino Reitz:
A
flora de Santa Catarina
Mapeou-a
com Roberto Klein.
Teve
andanças peregrinas
Padre
Raulino em toda parte,
Quer
serra abaixo quer serra acima
Sementes,
flores colheu com arte.
Espécies
muitas em Itajaí,
Das
araucárias às mirtáceas,
Das
suas bromélias às musáceas,
Tudo
pesquisado coube ali."
"Prodigioso
é este Herbário",
Retoma
o fio meu amigo,
"Que
gigantesco inventário:
Dos
espécimes medicinais,
Madeiras
para reflorestamento,
Canela-preta
ou sassafrás,
Copas
de sombra e ornamento
Butiás
e corte de frutais
Eis
um portentoso monumento.
Das
florestas ancestrais,
Pluviais
de junto ao mar,
Latifoliadas
e pinhais
Das
quais há pouco a celebrar,
Lá
se acha o sortimento
Replantá-las
desejais?
Buscai
ali conhecimentos.
Com
Zilda Deschamps e Ademir dos Reis
Que
das palmas sabe as leis
Vai
avante o monumento."
Tocado
por tamanha eloqüência
Em
exaltar heróis excelentes
Animei-me
em dar seqüência.
"Augusto
Ruschi, capixaba
Estudo
fez de beija-flores,
Também
impacto de tais primores
Na
brava selva pesquisava.
E
perquirindo espécies plânticas
Que
colibris, ao voar, beijavam
Dele
com razão se comentava
Ser
doutor em mata atlântica.
Dos
índios fez-se logo amigo.
E
eles o acodem quando aflito,
Doente
por sapo venenoso.
Fazem-lhe
o ritual da pajelança
Pra
curá-lo, fato não ditoso,
Mas
consolou-o cordial usança."
O
amigo gosta da folgança:
"Nas
Gerais Alterosas, Mello Barreto,
Proveu
conselho e sabedoria
A
Burle Marx em seu projeto:
Dar
à nossa flora primazia.
Quis
dizer-lhe: não isoladas
São as plantas nas matarias
Mas
tecem entre si conjuntos
De
notável senso de harmonia.
E
antes de tocar cidadania
É
preciso ver-lhes hábitat
Em
que se esmeram em sintonia
Araxá,
Pampulha ornou Barreto
Com
beleza, pompa e galhardia."
"Grande
poeta, não me leve a mal",
Falei,
assás elogiando-o.
"Agora
vou à floresta tropical,
À
biodiversidade d'Amazônia,
Abrigada
à massa vegetal
Às
espécies písceas e quelônias.
Selvas
naturais de seringueiras
Defendeu
com garra Chico Mendes.
Queria
se fizesse a extração
Da
rica espécie borracheira
Sem
ferir porém sustentação,
No
futuro, da floresta inteira.
Muitos
rejeitam tal lição
E
Chico morre à bala, à traição,
Não
porém ambiental bandeira."
O
amigo ainda tinha munição:
"Como
não lembrar o grande herói,
Defensor
do meio ambiente
Cujo
nome é Paulo Nogueira
A
quem preza todo um continente
Pois
bateu-se com bravura
Por
normas antipoluentes
Para
os ares, águas e a natura,
No
caso de resíduos e efluentes
Da
industrial manufatura.
Luminosa
foi a sua bandeira:
É
possível tal agricultura
Que
não dizime a cobertura
Virginal
das amplidões campeiras
Nem
os bichos em suas travessuras
Nem
as aves cantadeiras.
Viva
a paca e a saracura.
Tocando
a charrete na poeira
O
inspirado vate lá se foi
Não
se esquecendo de louvar
Os
que se esforçam por salvar
A
arara-azul, o peixe -boi.
Ainda
inclui em seu poema
Parques
naturais de norte a sul
Os
que reciclam a piracema,
Os
que lutam por preservar
Os
riachos em seu manar
Os
verdes mares de Iracema.
.Eram
salvas e urras a ouvir
Após
torrente d' eloqüência,
Era
natural o aplaudir.
O
povo que ouvira em reverência
Agora
se espalhava aos poucos
Comentando
o seu sentir,
Na
paisagem de capões e tocos.
Eu
a sós fiquei com meu cavalo.
Este
bem quisera o intervalo
Eu
o pus a beber dum poço.
Mais
tempo livre tinha agora
Pra
ver os longes além, afora
Antes
que a vista contemplasse
Das
taquaras gentis enlaces
Ainda
me detinha às serranias.
Depois
a vista vinha à procura
Das
ricas lombas de agricultura
E
a esbeltas plantas se estendia
Como
ipê florido na paragem
Que
jogando ouro na pastagem,
Aves
e humanos seduzia.
Avançando
um pouco mais,
Já
não avistava os montes
Que
azulavam no horizonte
E
sim vizinhos matagais
Que
pendendo dos barrancos
Vêm
saudar-nos com ramais.
Sem
pressa o cavalo na ladeira.
Cuidado,
vai-se devagar,
Aqui
é forte a pirambeira
E
o sentido é não tombar
Cá
no Morro da Gabiroba.
Tinha
chovido, à madrugada
E
é perigo a enxurrada
Aos
a cavalo e sobre rodas.
Muitas
pessoas ajuntadas
Aqui
em volta ao caminhão
Davam
a idéia da enxurrada.
Ronca
o motor à exaustão
O
pneu patina, patina... e nada.
Mas
o chauffeur não fica só.
Põe
um correntes ao rodar
Outro
busca pedra e cascalho
Pra
vencer a lama no lugar
Muitos
sem nada nas mãos
Juntos
ajudam a empurrar
O
gigante atado ao chão
Depois
de muito se tentar,
Pegou,
lá vai o caminhão
E
gritam, com suor a transpirar,
Com
alegria a transbordar:
"Venceu
a raça, o coração".
Mas
quem vejo nesse morro,
A
pé puxando o cavalo?
É
o João Geraldo, na subida.
Dona
Cecília seu regalo
Vai
sentada ao banco da aranha,
Que
é charrete de rodas altas.
A
estrada mais parece valo
Quando
a chuva se esparrama
E
apear em nada extranha
Alivia-se
muito ao cavalo,
Na
subida, a forte faina.
O
casal amava nos visitar.
Que
festa, corríamos a saudar
Vendo
o par chegar de aranha.
Bela
jornada por essa via
Tive
pra meu ócio e alegria
Vêm-me
agora reminiscências
De
Viagens na minha terra,
De
Anto, o Só, a poesia.
Lá
ia a brava diligência
A
subir, descer as serras,
E
chegava, em tom de refulgência
"Cheia
de guizos tlim, tlim, tlim".
Minhas
senhoras e senhores,
À
viagem e seus lavores
Vou
agora pondo um fim.
A
Paulo Setúbal, que celebra
Nosso
povo e nossa terra,
Meus
louvores outrossim.
Perdoem-me,
se levo o cavalo,
É
preciso alimentá-lo
Após
trazer-me no coxim.
Cantarei
agora com São Francisco
Que
dos bosques e das aves
Seu
irmão se faz chamar,
E
também com Santa Terezinha
Que
eflúvios mil de rosas
Não
cessa do Céu mandar:
Obrigado
irmã floresta,
Por
crianças embalar,
Obrigado,
irmã floresta
Por
tantas aves a trinar,
Obrigado
irmã floresta,
Pelo
ribeiro a sussurrar,
Obrigado,
irmã floresta,
Pelas
frutas ao paladar
Obrigado,
irmã floresta:
O
solo estás a preservar
É
contigo, floresta, que queremos
Por
tantos dons a Deus louvar.
Deixando
atrás capões e sangas
Onde
o sol cintila e alma canta
Fico
a meditar: que bom seria
Se
gabirobas e laranjas,
Quer
às matas, quer às granjas
Juntas
vivam na harmonia,
E
as famílias por varandas,
Tenham
paz e bonomia
Cá
na resplendente via
De
Vidal a Ituporanga
Meu
Deus, que bom seria,
Amizade
mais ecologia,
Grande
apologia
Na
país de Ibirapitanga.