segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Paisagem de hoje, paisagem de amanhã


Que vejo nesta paisagem
Que já não tenha visto,
Como os pinheiros à aragem?
Eles sobrepairam esse misto
De pastagens e matarias
Com umbelas de ramagens.

 Se em pequeno os via na manhã
Com grimpas voltadas para o céu
Como esquecê-los ora
À luz ridente da aurora?
Cantam bem-te-vis ao léu,
E no capão, os araquãs.

Nas grimpas a essas horas
Aves fazem piruetas
Que amáveis facetas
Te m a luz da aurora
Que nunca vá se embora
De minhas cançonetas.

Nem as dos passarinhos
Se evadam dos pinheiros
Cantando bem faceiros
Desde manhã cedinho
Até os raios derradeiros
Se evadirem purpurinos.

Generosas araucárias.
Nós crianças bem vos vemos
Carregadas de pinhas várias
A caírem no terreiro.
Antes que nossas alimárias
Nós chegávamos primeiro...




Pinheiro, meu bravo pinheiro,
A zunir nas tempestades
Ao vento fugaz, fagueiro
Deixa-me o eco da saudade
Essa zune por herdades,
E no meu peito por inteiro.  

Quando de manhã nos amanhãs
Tens auroras e belas pinhas
Tens a cantar os araquãs
E outras aves minhas
É que vejo sob as tuas grimpas
A luz guindar-me à vida sã.

Gralhas, quer azuis ou brancas
Vêm  dançar por entre umbelas.
Que coisa mais farão nas plantas,
Esplendorosas araucárias?
 Colher e semear vão elas
Pinhões nas trilhas várias.

Novas araucárias belas
Nascerão nas capoeiras
Para o sol terão umbelas.
Azuis ou brancas lá vão gralhas
Saltitar nas verdes malhas
Como musas altaneiras.


Sempre outras rimas mais
Possam afinal  tecer
As futuras gerações.
Nos vindouros pinheirais
Que faremos soerguer
Achem pinhas, inspirações

Viridentes pinheiros,
Deslumbrantes pinhas
E alegrias nas manhãs
Para vós as rimas minhas
Onde gralhas,  araquãs
Dão à vida um ar faceiro.

Num fascínio especial,
Araucária dos meus sonhos,
Ainda serves de sinal.
Bem alegres, nós já  vamos
Destacar -te verde ramo:

A Deus Menino em seu Natal. 

Pescaria à barranca



Pena descansada. Pena exigente.
Quer mostrar serviço, é diligente.
É assim que retorno aos versos.
Se líricos, se dramáticos, não importa.
Importa que se crie, que se invente.
A memória é a mestra alimentadora.
Lá vamos ao rio, à barranca
Para as lides pescadoras.
Muita piava, faminta, na corrente.
Os pequenos anzóis com bolotas,
Feitas de pão ou de polenta.
A paisagem doutro lado
É lustrosa, simpática, opulenta.
Que gosto ver. O sol cintila
Sobre as verdes capoeiras.
Piava belisca, vem puladeira.
Água mana calma, em remanso.
Noutro lado há corticeiras
E vizinhas brilham gabirobeiras.
A diversidade faz-nos admirar
Esse mundo com aves cantadeiras,
O sanhaço, a saíra, o sabiá


Terivas já desceram a serra
E se servem às laranjeiras.
Outra piava mordisca o anzol.
Lá vem ela, respingadeira.
Existe a represa,
Doutro lado, a capoeira.
Deixa a fantasia se divertir,
Recordar, recriar.
Ela adora brincadeira.
Volto ao verde das encostas.
Quantas plantas em harmonia,
Em sintonia, em policromia.
Há tempos houve a coivara, a roça.
Pra colher os milhos, os cargueiros,
Um deles puxado por Tostado,
O cavalo companheiro.
Mas o mato cortado se superou,
Se refez, novo mundo se criou.
Com cortiças, com pessegueiros.
Ah, os pessegueiros do caminho,
Cobiça das crianças, dos passarinhos.
Mais piava se pescou.
Pelos cantos canta um grilo.
Um socó está no galho e observa.
Há de vir um peixe. Há de vir.
Não se cansa, olha, espera.




Mais uma piava.
O dia rende, pescam meus irmãos,
Com caniços na itoupava.
A fantasia vai pra longe, vai pra serra.
Lá no alto. No azul. A gente se pergunta:
Por que o céu, o que diz o céu.
O que o perau nos diz
Com seus ramos no horizonte?
Canta histórias. Canta glórias,
Imponente. Sem escarcéu.




E eu aqui medito sobre as águas,
Quase paradas, mas muito povoadas
Por piavas.
Eis vejo às margens e quietas
Um conjunto de taquaras.
Cintila o dia, palmas para o dia.
Rolam águas. Palmas para as águas.
Era uma vez uma pescaria.

O resto é fantasia.


Nos montes oliveiras

Fotos: blog.ruadoalecrim.com.br


Nos montes onde bate o vento
Há mais que bosques, mais que pastos.
Há mais na Serra Mantiqueira.
Há mais que folha em movimento
E acenos para os astros,
Há ramadas de oliveira.


Para o fundo das valadas
Jaz o lar dos lavradores,
A capela à oração.
Há riquezas nas ramadas,
Azeitonas são valores
Nesta safra de verão.


Há na serra reminiscências
D’áureos tempos do café
E de bois nas invernadas.
Agora chega outra essência
Que serve a mesa e a fé
E perfuma as madrugadas.



Junto ao cedro e quaresmeira
Outra planta se levanta
Cá na Serra Alterosa.
As ramadas d’oliveira
Pela ventania cantam,
São ao povo generosas.



Lá vêm com bolsas colhedores
A colher d’oliva os frutos
Pendentes de ramada arcada.
Os que colhem são cantores
Na cadência do produto
Que lhes chega nas quebradas.



Mudou paisagem n’Alterosa,
Onde se rojam para os ares
Jatobá e aroeira.
Junto destas são airosas
Com fruteiras e lagares
As ramadas de oliveira.


Perseverante atividade.
Eis patrões e colhedores,
Irmanados na alegria.
Como em jogos da antiguidade
São valentes lutadores
No colher à luz do dia.



Se na Olímpia gloriosa
Poucos tinham a proeza
Das coroas de oliveira.
Aqui à cena trabalhosa
Todos têm igual grandeza



No lagar da Mantiqueira.

Foto: Hélvio Romero/Estadão

sábado, 19 de agosto de 2017

Rios e corredeiras

Do rio eu ouço alacridade
Que tantas vezes ocorreu
Durante toda a minha vida.
É sonho, é realidade?
É algo que vi, me comoveu
De maneira mui sentida.

O ribeirão tem sua foz
Depois de ativar tafona
Que do milho faz farinha.
Que belo ouvir a sua voz
Que alegre me ressona
Já da tenra infância minha.


Junta-se ao rio turbulento,
Que de águas ajuntadas
Fica rio exuberante
Ribeiro desce a contento
Com cascatas “pela estrada”,
Pelas lajes ressonantes.

Águas ele fornecia
Para nós e para o gado
Na morada de madeira.
Somente paz e harmonia
Ele tem nos demonstrado
Pela voz das corredeiras.

Agora se junta ao caudal
Depois de via triunfante
Até a roda do moinho.
Em atitude serviçal
E por vezes anelante
Lá levavam grãos meninos.



A roda ativa, resfolegante
Movia nossa admiração
Dentro, a pedra os grãos moía.
A farinha resultante
Se tornava gostoso pão
Que no forno se cozia.

Aqui saudamos o ribeiro,
Após passados tantos anos
Desse sítio bem distante.
O milho vinha no cargueiro
Muita vez o carregamos
Em tarefa estafante.

 Toda a nossa vizinhança
Para lá levava o milho
Para o pão de cada dia.
Fica-nos, porém lembrança,
Desse tempo já longinho
Com seu pão e alegria.

Hoje a roda de outrora
Está partida ao relento
Junto à mó desativada.
Mas corrente mui sonora
Nos ressoa pelo tempo
Sempre ouvida e amada.


Serra do Mulungu II - O encontro da cidade e a serra

Venho aqui, ao pé da serra
Viver e admirar a terra
Onde tive o meu crescer,
Alguma parte da rotina
Que tive à serra esmeraldina
Com seus trabalhos e lazer.

Estou em outra direção,
Da cidade ao sertão,
Do urbano ao rural.
Em fáceis, leves comparações
Uno asfalto com rincões
Em divertido recital.

Refiro-me ao canto anterior,
Em que frisei interior,
Ao subir a serrania.
Agora vejo mais facetas
Para o uso da caneta,
Indo além da nostalgia.

Subindo a serra Mulungu
Onde cantam meus urus,
Trago em mente celebridades.
Da Sé eu trago catedral,
Da paulistana capital,
Rara preciosidade.



Na serra há copas altaneiras,
Sobressaindo às capoeiras,
Navegando no azul.
As copas,como esta igreja,
São um preito à beleza,
Quer em Roma ou Istambul.

O Masp à verde realidade
Trará das artes diversidade,
Pelas obras dos artistas.
Une-se à biodiversidade
Daqui da serra; na verdade
Em longa, infinita lista.


De Monet evoluções,
De Portinari produções
Vêm à Serra Mulungu.
Vítor Meirelles vou lembrar,
A quem quero acrescentar
A Tarsila d’Abaporu.

Artes carreiam à beleza,
Recolhida à natureza,
Um aspecto cintilante.
Mas magnífica riqueza
Cá da serra e devesas
A mais obras é prestante.

Em cenário impressionante
Haja povo exultante,
Feliz com ar da natureza.
São Francisco com as aves,
Mirantes trazendo céu suave
E das matas sutis grandezas.

Ao contemplar as verdes matas,
Suas árvores e cascatas
Lembramos Ibirapuera.
Apesar de rico cabedal
Dispõe de belo arsenal
De espécies natas cá da serra.



















Novos tempos, novos horizontes
Espelham-se aqui nos montes
A minis Ibirapueras.
Pelas praças da cidade
Criarão mais qualidade,
Mais florida primavera.

Pedra, metal, cimento
Não sejam único elemento
Da humana convivência.
Muitos parques perfumantes
Com plantas,  aves musicantes
Encantarão a existência.


















Em meio à verde natureza,
As crianças, com certeza
Se moverão com alegria.
Parques tais multiplicados
As cidades terão mudado
Com amor e poesia.

Oxalá em novas construções
Haja senso e decisões
A praças verdes e com flores.
A serra vai servir cidade
Com larga liberalidade,
Oferta mundo de esplendores

Há de ser um outro clima.
A muitos a serra será mina
De copas, aves e bromélias.
A serra tem outro cabedal,
Tem tesouro vegetal,
Além de rosas e camélias.

Num circuito formidando,
As heras vão se elevando
Até chegar às coberturas.
Mais abaixo a passarada
Embalando a madrugada
Faz sonoras partituras.

A Sinfônica estadual
Com empenho especial
Veio à serra, é sensação.
Osesp respeita o passaredo,
Nos seus pios e arremedos.
Foi lá que teve inspiração.
















Em apartes d’instrumentos,
Vêm fazer acompanhamento
Aves cá da serrania.
E vice-versa, o violino,
Clarineta e cavaquinho
D’aves firmam melodias.

Na capital eu fiz leitura,
Uma ponta de cultura
Pra cantar a serra, o campo.
Li poetas e seus poemas,
Do verso eu vi estratagemas
Pra brilhar com pirilampos.

As Geórgicas de Virgílio,
De Setúbal o estilo
Eu cogitei de imitar.
Da magna serra as formosuras
Mais humanas criaturas
Hoje eu vim apresentar.

Cito apenas alguns poetas,
Pois aqui é minha meta
Apontar inspiradores.
Mas dos nomes apontados
Forjo versos imitados
Perseguindo iguais primores.

Abelhas, gentis trabalhadoras,
Do mel e própolis produtoras
Por Virgílio são cantadas.
Hoje, livres de venenos,
Tenham sítios mais amenos
A safras doces e douradas.

Retornando à roça,
Com varanda e choça,
Setúbal vê passado.
“Eis o milharal,
A mata, o pessoal,
Meu reino encantado.”
  
À Virgem, celestial Senhora,
Peço e suplico agora,
Aqui na serra verdejante.
Mãe, aceita meu jogral,
Sob a cena vesperal
Quando urus te são cantantes.

Para o alto vou olhando,
Para os cimos vou rumando,
Como, na chuva, a cerração.
Lembranças mando pro passado,
Para os sonhos projetados
Para o povo fiz canção.



Banana São Tomé e tié

Meu irmão, meu camarada,
Vamos nós pisando estrada,
Por matas, milharais, ribeiros.
Foi ali que nós infantes,
Com jornadas instigantes
Acabamos companheiros.

Levamos aos trabalhadores,
Após capina e suadores,
A boia de novas energias.
Que tinha a via fadigosa?
Aves  de vozes maviosas,
Matas cheias de magia.

A magia existe ainda?
Sim ,à natureza linda
Que fruímos na estrada.
Esta passa em capoeiras,
Em cultivadas sementeiras,
Respingando nas aguadas.




Eu poderia trazer belezas,
Deste reino da natureza,
Seria um nunca acabar.
Mas vou direto às bananeiras,
Lá num canto de capoeira,
Onde  paro a descansar.

Eu sei, estás na expectativa
Dessa fruta nutritiva,
Meu irmão de aventuras.
Contigo e com demais irmãos
Não fugi à tentação
De frutas doces in natura.

Não estávamos sozinhos,
Havia também os passarinhos
A fruir das bananeiras.
Eram sanhaços, sabiás,
Avifauna que por lá
Saltitava às capoeiras.

Mas num galho ao matagal
Pousava ave especial,
Lindo cantador tié.
Nesse espaço da natura
Vai a bananas já maduras
Que se chamam São Tomé.

Tié daqui, tié de lá,
Cantava como o sabiá
No pomar improvisado.
E sempre pela vida afora
Escutamos a voz canora
Entre águas e silvados.

Ali, passando por bueiro,
Conosco estava bom cargueiro,
Trazendo inhame e cereal.
Mas por cima da cangalha
Amarrado à cordoalha
Ia cacho do bananal.




Entre sangas e bananeiras
Nos brilhava a capoeira
Com tié maravilhoso.
Cavalo, animal  tostado,
E nós moleques assanhados:
Que quadro tosco e primoroso.

Já na volta do caminho
A gente lembrava o passarinho,
De tié por nós chamado.
Pasmem, ele é cantador
Porque na mata é comedor
Desse bananal prendado.

Era o nosso shangri-lá,
De ingás, maracujás:
Alegrias do tié.
Não à toa é trovador
No circundante resplendor
Da banana São Tomé.



Ninguém sabe bem ao certo,
Nesse chaparral deserto
A morada do tié.
Não faz mal. É só ver por perto,
Desfraldando a céu aberto,
Bananal de São Tomé.